Do Classicismo ao Realismo na Claridade
A revista Claridade surge no Mindelo em 1936, no centro de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana, que atinge, por estes anos, a idade adulta. Do ponto de vista literário, a Claridade constitui-se como baliza da contemporaneidade estética e linguística, superando o conflito entre o “antigo” e o “moderno”, isto é, entre o Classicismo/Romantismo de referente português, dominante durante o século XIX, e o novo Realismo; “sensível às realidades do quotidiano do povo,(…) no sentido de uma cada vez maior abrangência e representatividade da consciência geral da nação”.
Os fundamentos deste movimento de emancipação cultural e política podem encontrar-se na atitude da burguesia liberal oitocentista saída do Setembrismo, uma vez ultrapassado o conflito entre a sociedade crioula de base esclavagista e as novas instâncias sociais e jurídicas inerentes à abolição da escravatura e do regime dos morgadios, que anunciam o fim do Antigo Regime. A nova burguesia liberal instituiu a Escola como elemento homogeneizador da diversidade étnica que persistia nas ilhas, no pressuposto de que o processo de alfabetização e formação intelectual da população era indispensável ao desenvolvimento de uma consciência geral esclarecida. Fê-lo de maneira sistemática e com a aprovação e apoio constantes da Igreja que era, até então, a única entidade detentora de uma estrutura de ensino eficaz. A Escola desencadeou uma fome de leitura que está na base do extraordinário desenvolvimento cultural de Cabo Verde no século XX.
A criação do Seminário-Lyceu da Praia está na origem da proliferação de diversas actividades culturais, tendo sido registadas cerca de dezanove associações recreativas e culturais em todas as ilhas. O Lyceu, para além de formar os quadros dirigentes da administração crioula, constituiu o cadinho donde saíram sucessivas gerações de intelectuais, principais dinamizadores das instituições de comunicação e cultura no território. Serão estes a ” assumir a reacção nacionalista desse tempo contra a mão forte do processo colonialista. A mesma escola de intelectuais, enfim que criou as condições para o surgimento do Liceu do Mindelo em 1917, responsável pela nova intelectualidade científica e positivista incumbida de superar os seus antecessores.”
O lançamento da Claridade, deu lugar à divulgação de uma estética realista que respondia a uma nova situação social. “No sentido prospectivo, a Claridade foi capaz de dizer, mediante uma ética que reelaborou o conceito de artista da palavra, o que convinha à população que dela fosse dito para se realizar como nação-Estado. A demora em percorrer esse percurso de soberania, (…) vem a ser assim um dos significantes da permanência do espírito de realismo vivo que foi enformando e readaptando a revista a sucessivas gerações de colaboradores.”
Alberto Carvalho in Instituto Camões