Manuel Lopes escritor cabo-verdiano, 26/01/2005
O autor de ‘Os Flagelados do Vento Leste’ morreu em Lisboa. Governo de Cabo Verde quer perpetuar-lhe a memória
Manuel Lopes escritor cabo-verdiano
O último sobrevivente do movimento “Claridade”, que abriu as portas do modernismo à literatura cabo-verdiana, morreu ontem em Lisboa, com 97 anos. Manuel Lopes escreveu obras como Chuva Braba e Os Flagelados do Vento Leste e o seu desaparecimento suscitou manifestações de pesar dos governantes de Cabo Verde, onde o seu nome é considerado uma referência cultural insubstituível.
“Deu a conhecer ao mundo as calamidades, as secas e as mortes” no arquipélago, sobretudo nos anos 40 e 50, disse o primeiro-ministro cabo-verdiano à Lusa, ao tomar conhecimento da morte do escritor. José Maria Neves acrescentou “Temos de, em conjunto, Governo e sociedade, erigir algo que perpetue a sua memória.”
Bastariam três livros, publicados com o intervalo de quatro anos (entre 1956 e 1960) para que o nome de Manuel Lopes ficasse inscrito na história da literatura portuguesa e na proto-história da cabo-verdiana Chuva Braba (romance, 1956, Prémio Fernão Mendes Pinto), O Galo que Cantou na Baía (contos, 1959, de novo Prémio Fernão Mendes Pinto) e Os Flagelados do Vento Leste (romance, 1960, Prémio Meio Milénio do Achamento de Cabo Verde). Mas a seu crédito devem ainda citar-se títulos como Horas Vagas (poesia, 1934), Poemas de Quem Ficou (poesia, 1949), Temas Caboverdeanos (ensaios, 1950), Crioulo e Outros Poemas (poesia, 1964), As Personagens de Ficção e os seus Modelos (ensaio, 1971) e Falucho Ancorado (antologia poética com alguns inéditos, 1997).
Os Flagelados do Vento Leste teve adaptação cinematográfica, dirigida por António Faria, em 1987.
Como justificação da temática de quase toda a sua obra disse um dia numa entrevista “Sempre o mar ou a ilusão do mar à volta.” Mas foi a saída de S. Vicente – por razões profissionais, primeiro para o Faial, depois para Carcavelos – que conseguiu o distanciamento necessário para retratar, com humanidade, mas também com apurado sentido estético, a luta dos seus compatriotas contra a seca, a miséria e a morte, em S. Vicente como, sobretudo, em Santo Antão.
“Eu não podia repetir o gesto de Pilatos”, justificou. “No centro da ilha (Santo Antão) surpreendi o autêntico homem rural de Cabo Verde, com a tragédia que a história dessas ilhas reza e todo o amor do homem à terra.”
Manuel Lopes nasceu a 23 de Dezembro de 1907, no Mindelo, ilha de São Vicente. Fez estudos liceais em Coimbra, regressando a S. Vicente para trabalhar numa empresa britânica de telecomunicações. Em 1936, fundou com Baltazar Lopes (autor de Chiquinho) a revista Claridade, de que sairiam nove números até 1960. Viveu no Faial onze anos, sendo transferido para Carcavelos em 1955. Desde então radicou-se em Portugal, regressando por duas vezes ao seu arquipélago.
O corpo de Manuel Lopes está em câmara-ardente na igreja dos Anjos. O cortejo fúnebre sairá amanhã, às 14.30, para o cemitério do Alto de São João, onde será cremado.
Albano Matos in Diário de Notícias
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